segunda-feira, janeiro 03, 2005

UM DIVÃ PARA MAURÍCIO DE SOUSA

Hoje fui à banca de jornais pra comprar um cartão pro celular e um jornal, e me deparei com mais uma edição de um gibi do Cascão. Como sempre acontece, bateu aquela nostalgia da infância (sim, infância, porque na adolescência ninguém batia os X-Men), e de súbito me recordei da capa das centésimas edições de cada um. A mais legal era a do Cascão.

Uma das coisas de que mais gosto nos gibis da Turma da Mônica é a rapidez com que fluem as histórias, e sem vínculos entre uma e outra, como um aglomerado de tirinhas de jornais. Você vira duas, três páginas e pronto - lá vem outra historinha.

Folheando o gibi do Cascão, e com a já mencionada nostalgia e etc, pensei nos 17 anos passados desde minhas primeiras leituras. Há 17 anos atrás, em 1987, Mônica, Cebolinha, Cascão, Magali tinham seis anos de idade. Hoje, em 2005, eles têm...seis anos de idade!! Uma dúvida suscitou a minha reflexão:

POR QUE OS PERSONAGENS DA TURMA DA MÔNICA NUNCA PASSAM DOS SEIS ANOS DE IDADE?

Quando faço esta pergunta, ressalte-se que estou me referindo somente aos 4 principais deste universo, já que outros como Franjinha, Titi, etc são reconhecidamente "escadas", com pouquíssimas intervenções no enredo das historinhas, e sem maiores exposições de traços de personalidade.

Em uma tentativa de respondê-la, proponho uma breve análise sobre a personalidade de cada um destes personagens.

MÔNICA:
Toda sua agressividade manifestada revela uma possível insegurança, talvez até uma baixa auto-estima, especialmente no que concerne aos seus atributos físicos. Dificuldade grande em interagir com indivíduos do sexo oposto e lidar com críticas.

CASCÃO:
Só num ambiente povoado de crianças um ser tão fedorento quanto esse poderia manter qualquer tipo de interação social. Sua aversão à água pode ser derivada de um possível trauma de infância - afogamento seria o mais provável. Aliás, a tolerância de seus pais sobre este comportamento só acaba por incentivá-lo. Ter um porco como animal de estimação também não ajuda muito no tratamento.

MAGALI:
Sua obsessão por comida revela uma possível fuga de algum outro problema maior - abuso sexual, talvez. Afinal, vamos e convenhamos, ela sempre foi a bonitinha do grupo. Talvez seja também uma tentativa de chamar a atenção, visto que mesmo sendo a mais bonitinha ela sempre teve sua presença ofuscada pela personalidade forte e agressiva de Mônica.
Bom, nada disso é certo, mas das duas uma: ou ela tem um metabolismo absurdamente desenvolvido, ou ela é o primeiro caso de bulimia infantil da história dos quadrinhos! O curioso é que não me lembro de nenhuma história mostrando a Magali fazendo cocô, quando na verdade é o que ela mais deveria fazer, quando não estivesse comendo (para maiores esclarecimentos, consultar BÜLLER, F. Bulimia in Brazilian Comics, USA, 1985) . Fica a questão em aberto.

CEBOLINHA:
Este calvo rapaz (sim, porque qualquer outra pessoa com apenas cinco fios de cabelo na cabeça não poderia ser chamada de outro jeito) é, sem sombra de dúvida, o mais interessante dos personagens. Começando logo pela sua obsessão pelo coelhinho Sansão e pela dona deste. O vínculo entre eles é de tal intensidade que eu recomendaria uma terapia de casal paralela à terapia individual.
Além disso, não sei se vocês perceberam, mas o Cebolinha, com seus Planos Infalíveis, é o exemplo vivo da perseverança do Empirismo sobre todas as adversidades. David Hume choraria de emoção (se bem que eu acho que empirirstas não choram - as lágrimas atrapalham a observação).
Mas o mais interessante no Cebolinha não são suas particularidades supracitadas. É a forma como ele abre espaço para outro personagem: o Louco. O Louco é a porta do autor para o absurdo, o non-sense puro e simples. E ainda abre outra questão: não seria o Louco um produto da imaginação do próprio Cebolinha? Se você perceber, o Cebolinha sempre está sozinho quando o Louco aparece, e as histórias sempre se desvencilham de qualquer vínculo com a realidade (consultar também MOUSE, M. The 'Louco Problem' - An Speculative Approach on Cebolinha's Ego Questions, Londres, 1965) . Fica aqui outra questão em aberto.
Outra coisa: alguém poderia avisar o Maurício de Sousa que não precisa mais grifar as palavras em que o Cebolinha troca o 'R' pelo 'L'. Depois de 34 anos, a gente já entendeu a piada.


Retomando a pergunta, sobre por que os personagens da turma da Mônica não crescem, acho que a resposta fica clara: não há lugar pra esses personagens num mundo adulto, tais são seus desvios em relação ao comportamento comum. E Mauricio de Sousa sabiamente mantém seus personagens naquela mágica idade onde todos são fofinhos com seus pequenos defeitinhos toleráveis e engraçadinhos, e onde os palavrões são só caveiras, bombas e jogos-da-velha. O futuro deles não teria graça nenhuma.

quarta-feira, dezembro 22, 2004

BEEP BEEP!

Outro dia passei algumas horas de uma tarde chuvosa assistindo a um desses canais que passam desenhos 24 horas por dia, e tava passando o que me pareceu ser uma “Maratona do Papa-Léguas”.

Já faço neste primeiro momento meu manifesto contra o fato de o desenho se chamar “Papa-Léguas”, uma vez que o personagem que me parece mais interessante é justamente o Coiote. Desenvolverei melhor essa idéia mais adiante.

Passaram-se uma hora e meia, e o que começou como alguns leves esboços de riso foi se transformando numa espécie de angústia.

Certa vez eu ouvi alguém falar numa conversa de bar que todas as relações entre predadores e presas nos desenhos animados eram só reflexos da clássica busca do Capitão Ahab pela sua Moby Dick. Bom, preferi nem levar muito a sério o comentário, porque achei que a referência literária era mais pra chamar a atenção para quem a tinha feito do que para acrescentar algo à conversa. Na tarde chuvosa em questão, essa referência atiçou um pouco mais a minha reflexão. Enquanto o Coiote fazia seu rotineiro merchandising dos produtos ACME, pus-me matutar sobre a comparação feita por meu amigo.

Eu estava certo em não levá-la a sério.

POR QUE O COIOTE NUNCA PEGA O PAPA-LÉGUAS???

A busca incansável do raquítico lupino pela sua presa se dá de forma muito mais "incômoda" que a caçada pela baleia no romance de Herman Melville.

No livro, ficam bem claros todos os fatores que originaram a caçada. Moby Dick arrancou uma perna de Ahab, e é o sentimento de vingança que motiva toda a história. Além disso, por mais que parecesse ser a busca de um caçador por sua presa, o que havia na verdade era a busca por uma revanche, por um novo confronto. Ahab não pretendia simplesmente matar a baleia. Queria, sim, uma outra chance de enfrentá-la, e, assim, uma chance de vencê-la e se vingar. No livro, todo o desenrolar da história parece se dar de forma encadeada, onde ficam bem explícitas as relações de causa entre os eventos, principalmente a própria caçada.

O desenho não diz nada, e por isso mesmo é tão perturbador. Você tem um Coiote correndo atrás de uma ave. Só isso.

A princípio você pode colocar a fome do predador como uma causa, mas pensa bem: será que não existem outras presas naqueles vastos desfiladeiros e penhascos que sejam muito mais fáceis de alcançar? E, ainda que não fosse esse o caso, já não teria o Coiote morrido de fome há muito tempo? Permanecia a perturbação.

Como vimos, não existe nenhuma causalidade aparente diante desta busca. O Papa-Léguas se apresenta como objeto de um desejo puro, injustificável. E todas as suas ações e pensamentos têm essa busca enquanto força motriz. Não deixa de ser irônico que seu fracasso seja, no final das contas, o que o mantém vivo, a longo prazo.

E não deixo de pensar em como somos todos nós um bando de coiotes, e como cada um de nós precisa de um papa-léguas nos chamando, mesmo que seja para nos fazer cair de penhascos. Mas que também nos motive a escalar todo o penhasco de volta.

Agora imagine a cena: o Coiote finalmente, usando uma das formidáveis invenções da ACME, finalmente consegue alcançar o Papa-léguas. Mata-o, e agora terá uma refeição farta. Os primeiros instantes são de pura euforia.

Duas semanas depois, o Coiote, alguns quilos mais gordo, está deitado em sua caverna. Não se levanta há dias. Não tem vontade de fazer mais nada. Sua caixa de correios está lotada de pacotes das empresas ACME, mas as caixas estão lacradas. Afinal, porque abri-las?

O Coiote se suicida, cortando seus pulsos com um velho Corta-Tudo ACME de 1974. Pouco antes de desmaiar, ele ainda virava seus ouvidos para a saída da caverna, como que procurando ouvir alguma coisa. Mas não se ouvia nada além do vento.

Enfim, tudo isso foi uma tentativa de resposta para a pergunta central deste post. O Coiote não pode pegar o Papa-Léguas, pois, sem o Papa-Léguas, não existe mais o Coiote. Só uma carcaça ambulante esperando a morte.

NOTA PARA MIM MESMO: Não assistir mais desenhos animados quando estiver deprimido.

***
Outro ponto interessantíssimo que se pode destacar é o fato de o Coiote só se submeter à lei física da gravidade quando olha para baixo e vê que não está mais pisando no desfiladeiro, e as incontestáveis influências dessa cena clássica no filme Matrix. Mas fica pra outra hora.


quinta-feira, dezembro 09, 2004

DISNEY E A CRISE FAMILIAR

Comecemos com a Problemática do Dia:
POR QUE O MUNDO DE WALT DISNEY NÃO TEM PAIS?

Veja só:
- Huguinho, Zezinho e Luizinho são SOBRINHOS de Donald, que por sua vez é SOBRINHO do Tio Patinhas, PRIMO de Gastão e NAMORADO de Margarida.
- Em um outro núcleo, Chiquinho e Francisquinho são SOBRINHOS de Mickey, que é NAMORADO de Minnie.
- O Pateta é um solteirão, sem vínculos familiares aparentes, assim como o Professor Pardal.

Cogitei fazer também uma referência ao desenho Peter Pan, de 1934, o que talvez seria um grande exemplo disso. Mas, uma vez que se trata de uma adaptação de um clássico de James Barrie, resolvi omití-la por não conter o caráter autoral dos demais exemplos

Veja como, ao estruturar famílias dentro de no máximo três gerações, Disney também abstrai das duas primeiras a relação fraternal entre os personagens, pois assim seria fácil induzir a uma relação paternal/maternal com a geração posterior.

Percebe-se também que os próprios vínculos afetivos entre os dois sexos sempre se dão na forma de relacionamentos não-formais. Talvez a explicação pra isso seja que naquela época a influência de padrões da estrutura familiar era de tal modo que a própria intenção do casamento pressupunha a formação de uma familia da qual o casamento seria a base, estando incutidas aí as relações paternas e maternas.


Agora veja:
Walter Elias Disney (a.k.a. Walt Disney), filho de Elias e Flora Disney, nasceu em 5 de dezembro de 1901, em Chicago, Illinois.

Foi o quarto filho de uma rígida família patriarcal do início do século XX, e até sua adolescência sofria severos castigos físicos e psicológicos de seu pai. Numa ocasião em especial, quando morava em uma fazenda, Walter pegou um pouco de piche do armário de seu pai e pôs-se a fazer desenhos. Levou uma surra, da qual ele mesmo afirmou nunca ter esquecido. Seu único vínculo de amizade no âmbito familiar era sua Tia Margaret, que, por sua vez, foi também quem lhe deu o primeiro conjunto de lápis-de-cor e papéis para desenho.

No fim dos anos 30 e início dos 40, Walt Disney atuou como informante do FBI sobre a proliferação de idéias "subversivas" dentro de seus estúdios, ao mesmo tempo em que atuou como "embaixador" do American Way of Life em viagem pela América Latina. Em troca destes serviços, requisitou uma minuciosa investigação sobre sua família, pois afirmava ter quase certeza de que havia sido ADOTADO.


Isso é que eu chamo de "fuga pela arte".

quarta-feira, dezembro 08, 2004

UMA SALVA DE VAIAS À ESTUPIDEZ HUMANA

Poucas situações podem exemplificar tão bem a estupidez humana quanto um engarrafamento - ou melhor, quanto a própria existência de uma "hora do rush". Vamos pensar sistematicamente:
1) Um monte de pessoas quer ir para o mesmo lugar;
2) Esse monte de pessoas está com pressa;
Mas segue a conclusão:
3) Esse monte de gente segue em um ritmo extremamente lento para este lugar.

Como pode??

Pra buscar explicar melhor minha problemática, vamos examinar uma situação semelhante. Você provavelmente já viu uma maratona (vamos partir do pressuposto de que a resposta é "sim"). Pensa bem: o que você tem lá? um monte de gente, indo para um mesmo lugar, cheios de pressa. Você já viu engarrafamento em maratona?

"Claro" - poderia você argumentar - "na maratona o espaço da pista para deslocamento é relativamente muito maior do que qualquer pista para carros".

Pois bem, vamos partir daí. Você já viu alguma corrida de carros? Lá a pista não é exatamente tão larga, e a última coisa que você vê lá é alguém buzinando.

"Lógico" - diria você, argumentativo leitor - "Lá, os carros andam a 300km por hora, não tem como ninguém ficar parado!"

Ah, já estamos chegando ao ponto. Não se deve esperar ver carros a essa velocidade (se bem que na Linha Amarela de madrugada seja até recomendável), nem na hora do rush nem em hora nenhuma.

Ah, é aí que chegamos: a velocidade máxima na Linha Vermelha é de 80km/h, sendo a velocidade mínima, assim, 40km/h. Mas experimente pegar a Linha Vermelha segunda-feira às 8:30 da manhã. Você não só não vai encontrar os carros se deslocando na velocidade máxima - como era de se esperar, uma vez que estão com pressa - com também dificilmente vai vê-los se deslocar na velocidade mínima!

Ou seja, além do descompasso entre a pressa das pessoas e a velocidade dos carros, ainda nos deparamos com uma montoeira carros andando a uma velocidade fora dos padrões estipulados pela lei! Visualiza a situação: existe uma determinada hora em que TODOS ESTÃO COM PRESSA E AO MESMO TEMPO TODOS ESTÃO ANDANDO DEVAGAR!!!

Pra buscar a resolução desta aparente contradição, desde criança eu havia formulado a teoria que, hoje, formalizo como Lei do Elemento X, que em síntese, diz que
"Para todo engarrafamento existe um elemento x no início da fila, de modo que:
1. x é um imbecil que nunca abastece o carro antes de sair de casa, ou;
2. x é um motorista que encheu a cara na noite anterior, e resolveu dormir no carro, parado no meio da via de acesso, ou:
3. x é um motorista idiota que sempre esquece o caminho do trabalho, e fica parado se perguntando pra onde ir, ou;
4. x é um filho da puta, pura e simplesmente."

Ou isso, ou somos todos nós um bando de imbecis.

ROY SULLIVAN

Roy Sullivan, guarda florestal americano.
Entre os anos 1944 e 1977 Roy foi atingido por sete raios.
Não sofreu, em nenhuma das vezes, nada mais grave que algumas queimaduras leves.
Em 1983, Roy Sullivan morre - se suicida devido a uma desilusão amorosa.

Conclusão: Não há choque como o choque do desengano.